Nesta altura do século XXI, o cosmo
parece cada vez mais próximo, devassado por sondas e supertelescópios. Mas, há
pouco mais de dois séculos, nossos antepassados olhavam para o céu como uma
pintura inalcançável. Foi nessa época que um grupo de astrônomos liderou uma
empreitada global à procura de um dado que hoje conseguimos em uma busca no
Google: a distância que separa a Terra do Sol.
Cientistas
franceses, ingleses, russos, suecos, dinamarqueses e norte-americanos viajaram
ao redor da Terra, em 1761 e depois em 1769, para vislumbrar um raro fenômeno:
a passagem de Vênus em frente ao Sol. As expedições que eles protagonizaram
resultaram na primeira empreitada globalizada da ciência.
A
distância da Terra em relação ao Sol é conhecida como unidade astronômica (AU).
Ela é a unidade básica de medida do universo – o metro cósmico, por assim dizer
– e é determinante para os cálculos da astrofísica. Hoje sabemos, graças as
medições feitas pelos telescópios mais avançados, que estamos separados do Sol
por 149.597.870 quilômetros, sem levar em conta as variações da órbita elíptica
da Terra em volta da estrela. No século XVIII chegar a esse número era tido com
um feito revolucionário. Como Andrea Wulf
explicou em entrevista: “Apesar de aquele ser o século do Iluminismo,
vivia-se ainda em um mundo onde estrelas, trovões e outros fenômenos naturais
eram tidos pela maioria como manifestações divinas inexplicáveis. Observar
Vênus e, com isso, mesurar o cosmos viria a ser um ganho e tanto para os cientista
que combatiam a ignorância.” No plano mais imediato e prático, apostava-se que
a determinação da distância do Sol permitiria o calculo mais preciso das
longitudes, uma necessidade urgente para as navegações da época.
Edmond Halley, idealizador da expedição |
A ideia
da corrida por Vênus veio do astrônomo inglês Edmond Halley, que em 1716 previu
que a passagem de Vênus entre o Sol e a Terra ocorreria em 1761 e 1769. Ele
conclamou astrônomos a se reunirem para medir a trajetória do planeta em frente
à estrela e a duração dessa passagem. Os dados seriam para estipular quão
distante está o Sol. Só que a precisão dos cálculos seria garantida apenas se
os astrônomos observassem a passagem em localidades distintas, no Norte e no
Sul terrestre. Halley morreu em 1742, mas seus discípulos seguiram sua
sugestão. Os astrônomos não tinham um perfil aventureiro. Acostumados à
reclusão de gabinetes de estudo, eram em geral homens de meia-idade, gordos e
sedentários. Mesmo assim viajaram por terra e por mar para os pontos ermos
indicados por Halley como ideias para observar Vênus. As caríssimas expedições
foram financiadas por monarcas poderosos, como Catarina, a Grande, da Rússia.
Locais que os astronomos realizaram as observações do trânsito de Vênus, nos anos de 1761 e 1769 |
Em plena Guerra dos Sete Anos, protagonizada por França e Inglaterra, navegar as grandes distancias até os destinos da expedição era tarefa perigosa. O barco dos astrônomos britânicos Charles Mason e Jeremiah Dixon (famosos por criarem a Linha Mason-Dixon, que dividiu o sul do norte dos Estados Unidos) foi alvejado por canhões franceses. Um astrônomo francês viajou para Índia, ficou onze anos longe de casa, adoeceu, foi dado como morte – e a despeito de todos esses esforços, não conseguiu observar corretamente os fenômenos. Na Sibéria, um astrônomo foi ameaçado pela população local, que o tomou por feiticeiro.
Os
números levantados pelos astrônomos estimaram a distância do Sol entre 125
milhões e 159 milhões de quilômetros, o que é muito próximo do valor real. A
empreitada popularizou a astronomia: leigos compraram telescópios para admirar
o trajeto de Vênus. Também uniu as academias de ciências e foi o primeiro
incentivo às experiências globalizadas, nos moldes atuais. No início deste mês,
entre os dias 5 e 6, Vênus passou pela frente do Sol mais uma vez, fenômeno que
só voltará a repetir em dezembro de 2117. Desta vez, o evento foi televisionado
em alta definição para todo mundo, e as fotos e vídeos da passagem estão no
internet.
Imagem do trânsito de Vênus que ocorreu entre os dias 5 e 6 de junho |
Fonte: Veja, 30 de maio de 2012.
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