sexta-feira, 29 de junho de 2012

Aventura Astronômica - Os Caçadores de Vênus

         Nesta altura do século XXI, o cosmo parece cada vez mais próximo, devassado por sondas e supertelescópios. Mas, há pouco mais de dois séculos, nossos antepassados olhavam para o céu como uma pintura inalcançável. Foi nessa época que um grupo de astrônomos liderou uma empreitada global à procura de um dado que hoje conseguimos em uma busca no Google: a distância que separa a Terra do Sol.
Cientistas franceses, ingleses, russos, suecos, dinamarqueses e norte-americanos viajaram ao redor da Terra, em 1761 e depois em 1769, para vislumbrar um raro fenômeno: a passagem de Vênus em frente ao Sol. As expedições que eles protagonizaram resultaram na primeira empreitada globalizada da ciência.

Edmond Halley, idealizador
da expedição
 A distância da Terra em relação ao Sol é conhecida como unidade astronômica (AU). Ela é a unidade básica de medida do universo – o metro cósmico, por assim dizer – e é determinante para os cálculos da astrofísica. Hoje sabemos, graças as medições feitas pelos telescópios mais avançados, que estamos separados do Sol por 149.597.870 quilômetros, sem levar em conta as variações da órbita elíptica da Terra em volta da estrela. No século XVIII chegar a esse número era tido com um feito revolucionário. Como Andrea Wulf  explicou em entrevista: “Apesar de aquele ser o século do Iluminismo, vivia-se ainda em um mundo onde estrelas, trovões e outros fenômenos naturais eram tidos pela maioria como manifestações divinas inexplicáveis. Observar Vênus e, com isso, mesurar o cosmos viria a ser um ganho e tanto para os cientista que combatiam a ignorância.” No plano mais imediato e prático, apostava-se que a determinação da distância do Sol permitiria o calculo mais preciso das longitudes, uma necessidade urgente para as navegações da época.
A ideia da corrida por Vênus veio do astrônomo inglês Edmond Halley, que em 1716 previu que a passagem de Vênus entre o Sol e a Terra ocorreria em 1761 e 1769. Ele conclamou astrônomos a se reunirem para medir a trajetória do planeta em frente à estrela e a duração dessa passagem. Os dados seriam para estipular quão distante está o Sol. Só que a precisão dos cálculos seria garantida apenas se os astrônomos observassem a passagem em localidades distintas, no Norte e no Sul terrestre. Halley morreu em 1742, mas seus discípulos seguiram sua sugestão. Os astrônomos não tinham um perfil aventureiro. Acostumados à reclusão de gabinetes de estudo, eram em geral homens de meia-idade, gordos e sedentários. Mesmo assim viajaram por terra e por mar para os pontos ermos indicados por Halley como ideias para observar Vênus. As caríssimas expedições foram financiadas por monarcas poderosos, como Catarina, a Grande, da Rússia. 

Locais que os astronomos realizaram as observações do trânsito de Vênus, nos anos de 1761 e 1769

Em plena Guerra dos Sete Anos, protagonizada por França e Inglaterra, navegar as grandes distancias até os destinos da expedição era tarefa perigosa. O barco dos astrônomos britânicos Charles Mason e Jeremiah Dixon (famosos por criarem a Linha Mason-Dixon, que dividiu o sul do norte dos Estados Unidos) foi alvejado por canhões franceses. Um astrônomo francês viajou para Índia, ficou onze anos longe de casa, adoeceu, foi dado como morte – e a despeito de todos esses esforços, não conseguiu observar corretamente os fenômenos. Na Sibéria, um astrônomo foi ameaçado pela população local, que o tomou por feiticeiro.
Os números levantados pelos astrônomos estimaram a distância do Sol entre 125 milhões e 159 milhões de quilômetros, o que é muito próximo do valor real. A empreitada popularizou a astronomia: leigos compraram telescópios para admirar o trajeto de Vênus. Também uniu as academias de ciências e foi o primeiro incentivo às experiências globalizadas, nos moldes atuais. No início deste mês, entre os dias 5 e 6, Vênus passou pela frente do Sol mais uma vez, fenômeno que só voltará a repetir em dezembro de 2117. Desta vez, o evento foi televisionado em alta definição para todo mundo, e as fotos e vídeos da passagem estão no internet.

Imagem do trânsito de Vênus que ocorreu entre os dias 5 e 6 de junho


Fonte: Veja, 30 de maio de 2012.

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