Marcos Pontes foi o primeiro brasileiro a ir para o espaço. Dez anos após entrar para a história a bordo da Soyuz TMA-8 e se
tornar o primeiro astronauta brasileiro a vencer a atmosfera terrestre
rumo à Estação Espacial Internacional (ISS), o coronel da reserva Marcos
Pontes se sente dividido entre as melhores lembranças da experiência e
as decepções com o programa espacial brasileiro. "Estamos muito aquém do
que era o mínimo esperado para um país da categoria e intenções de
desenvolvimento que é o Brasil", afirma o paulista de Bauru que passou
10 dias no espaço em entrevista ao Portal EBC.
Formado em
engenharia aeronáutica e com experiência como piloto de testes da FAB
(Força Aérea Brasileira), Marcos Pontes ingressou em 1998 na Nasa, a
agência espacial norte-americana. Mas o governo brasileiro da época não
arcou com os compromissos firmados e a parceria foi encerrada.
Além de realizar a manutenção na ISS, Pontes foi responsável à época por
aplicar projetos comerciais, científicos e experimentos
educacionais. No dia 8 de abril de 2006, o astronauta brasileiro voltou
ao planeta Terra dentro da cápsula de reentrada da Soyuz TMA-7, um dos
momentos mais críticos de toda a viagem espacial.
Depois de 10
anos da chegada do Brasil ao espaço, Marcos Pontes relembra dos
"demônios do negativismo" e conta os efeitos do espaço que ainda percebe
em seu corpo: sangramento dos ouvidos, alergias e alterações de peso.
Confira abaixo a entrevista do astronauta brasileiro.
Em 1997, o Brasil havia feito um acordo com o Programa da Estação
Espacial Internacional (ISS) por meio da Nasa e deveria produzir seis
partes da estação e fornecer um astronauta para a equipe de manutenção e
operação da estação.
Marcos Pontes, militar da Força Aérea
Brasileira (FAB), participou de concurso público específico e foi
selecionado. Nesse momento, viu-se obrigado a largar sua carreira
militar já que o programa não permitia qualquer tipo de envolvimento
militar ou bélico.
Em seu site, Marcos Pontes descreve o exato
momento que precisou optar pelo caminho civil: "aquilo me deu um frio na
barriga, era como abandonar um porto seguro, pois minha carreira
militar estava indo muito bem, e embarcar em um projeto que eu não tinha
certeza que iria ter sucesso. Havia muitas variáveis a serem definidas
ainda."
Decidido, foi para a Johnson Space Center, em Houston
(Texas), para participar de um curso de dois anos para obter o "brevê de
astronauta". Achando que iria viajar em 2001, o astronauta relata
diferentes problemas políticos que fizeram com que o país não cumprisse o
acordo com a Nasa.
Posteriormente, a Agência Espacial
Brasileira (AEB) fez um acordo com a Rússia, também parceira
majoritários da ISS, para que ele fosse escalado para o voo em 2006.
"De repente, de acordo com a AEB, eu teria apenas 5 meses (o tempo
normal para treinar um cosmonauta é de 2 anos) para aprender tudo sobre
os sistemas russos para incluí-los nas minhas tarefas técnicas a bordo
e, de quebra, aprender a língua russa, em paralelo, nos primeiros três
meses em Star City, Moscou, no Centro de Treinamento de Cosmonautas,
para onde eu estava sendo transferido."
Entre suas missões no
espaço, Marcos Pontes levou ao espaço quatro pesquisas tecnológicas com
finalidade comercial, quatro pesquisas científicas e dois experimentos
educacionais.
O fato de realizar experimentos com alunos do
ensino fundamental virou alvo de crítica da imprensa brasileira, ao que
rebateu veemente Pontes:
"No Brasil, a imprensa e alguns "cientistas" - as aspas são para ressaltar o meu espanto com a falta de visão científica e estratégica desses críticos - se limitaram apenas a criticar o custo da missão e citar, muitas vezes de forma irônica, os experimentos das crianças de São José dos Campos."
A
pesquisa com os estudantes envolvia a germinação de sementes de feijão e
a cromotografia da clorofila (medição da graduação da clorofila). As
demais pesquisas envolveram testes sobre os efeitos da microgravidade na
cinética das enzimas, danos e reparos do DNA na microgravidade,
evaporadores capilares, minitubos de calor e nuvens de interação
protérica,
A sua ida ao espaço é resultado de uma longa
trajetória dentro da Força Aérea Brasileira. Já tentaram desacreditá-lo
do sonho de se tornar astronauta? Se sim, o que fez o senhor continuar?
Pontes: Certamente. Foram muitos anos de trabalho, estudo e muita
persistência para vencer os "demônios do negativismo" dentro da própria
mente e a sua torcida externa. O que me fez e me faz continuar é
perceber que a satisfação de vencer esses demônios é muito maior que o
medo de enfrentá-los.
Efeitos no corpo
A
partir dos resultados de pesquisas e dos próprios relatos dos próprios
astronautas, a ida do ser humano ao espaço gera uma série de efeitos
indesejáveis ao corpo, a maioria deles determinada pela falta de
gravidade e da maior radiação sobre o corpo dos astronautas, já que não
há atmosfera para agir como "filtro solar".
Recentemente, o
norte-americano Scott Kelly retornou de uma missão de um ano a bordo da
ISS, o maior período em que um astronauta ficou exposto aos efeitos da
microgravidade. Scott chegou a "esticar" cinco centímetros de tamanho
por causa da falta de pressão em sua coluna vertebral.
A viagem
de Marcos Pontes foi bem menor. Ele ficou dois dias a bordo da Soyuz e
oito dias dentro da ISS. Mesmo exposto por menos tempo, teve que
enfrentar muitos dos efeitos indesejados ao corpo por causa da falta de
gravidade e contatos com a radiação.
A osteoporose, perda de células ósseas, é um dos efeitos mapeados. Já a
fraqueza muscular é consequência da atrofia dos músculos que são menos
usados em ambiente com microgravidade. No espaço, a desorientação
espacial é acompanhada de dores na cabeça, coriza, alteração na pressão
intraocular e desidratação.
Mas o que chama a atenção do público
é o envelhecimento precoce devido a maior radiação sobre as células,
deteriorando-as e dificultando sua recomposição.
"O envelhecimento precoce é um dos efeitos na saúde. Durante o tempo no espaço não tive grandes problemas. O real problema é depois do voo: alterações no sistema hormonal, radiação, envelhecimento, perda de densidade óssea, alterações no sistema imunológico."
Há alguma sequela que o senhor sentiu ou sente desde a sua volta à Terra?
Pontes: Isso se traduz em alguns inconvenientes como sangramento dos
ouvidos, alergias, alterações de peso, além de ter acompanhamento médico
constante para manter a boa saúde.
Volta à Terra
Depois de cumprir sua missão no espaço, Marcos Pontes, o cosmonauta
Valery Tokarev e o turista espacial norte-americano Gregory Olsen
precisaram se preparar para um dos momentos mais tensos da viagem, a
volta.
O procedimento de volta do espaço ocorreu com a espaçonave Soyuz TMA-7 se desacoplando da Estação Espacial Internacional.
A
aeronave é dividida em três partes. Uma dessas partes é uma cápsula
contendo os três tripulantes, que queima ao reentrar na atmosfera.
Contudo, ela é feita de material que resiste até 2500 graus. Mas não é
só o calor que incomodou Marcos Pontes e seu colegas. A carga de pressão
na cápsula chega a ser 11 vezes maior do que o próprio peso na Terra.
Ou seja, eles foram pressionados contra os assentos.
No roteiro da reentrada, paraquedas se abrem para diminuir a
velocidade. Por fim, foguetes de pouso são acionados levantando a poeira
do deserto do Cazaquistão. Mesmo assim, a cápsula atinge o chão a 50
km/h.
A sua volta dentro da Soyuz TMA-8 apresenta-se como um
dos momentos marcantes da sua volta. Qual é a sensação de estar dentro
da cápsula "furando" a atmosfera do Planeta?
Pontes: A
reentrada é o momento mais crítico do voo, sem qualquer dúvida. A
sensação é de impotência, ja que não há praticamente nada que possamos
fazer para resolver um eventual problema estrutural.
No futuro breve, conseguiremos algum tipo de mecanismo de propulsão como aparecem nos filmes como Star Wars e outros?
Pontes: No futuro breve, teremos novos sistemas de propulsão, mas
chegar à sofisticação do Star Treck ou Star Wars ainda vai demorar um
tanto.
O Programa Espacial Brasileiro é coordenado pela AEB.
Mesmo tendo uma base de lançamento localizada em local propício (perto
da linha do Equador), o Brasil precisou fechar uma parceria com a China
para lançar satélites sino-brasileiros em território oriental.
O
programa é alvo de críticas e necessita de recursos significativos para
o projeto. Para o astronauta Marcos Pontes, há muito o que ser feito
para recolocar o Brasil rumo à conquista do espaço.
O senhor tem acompanhado o Programa Espacial Brasileiro? Como o senhor o avalia?
Pontes: Sim. Estamos muito aquém do que era o mínimo esperado para um
país da categoria e intenções de desenvolvimento que é o Brasil.
Para que o Programa possa engrenar, o que precisa ser feito daqui em diante?
No curto prazo, grande mudança estrutural do programa, incluindo
gestão; parceria racional com países líderes do mercado internacional e
Intercâmbio de pesquisadores.
No médio prazo, inclusão de
diretoria de formação e educação; melhoria grande da divulgação do
programa (Publico e autoridades); criação de cursos de formação técnica e
otimização de portfólio de projetos.
No longo prazo, a mudança
das leis de participação de setor privado em universidades públicas e
centros de pesquisa; mudança de leis de licitação de produtos de alta
tecnologia; reposição de Recursos Humanos do programa; otimização e
ampliação das instalações técnicas; criação de laboratórios
compartilhados com universidades e empresas; Centro de Lançamento de
Alcântara via parceria comercial internacional.
Novos "Astronautas"
Em maio de 2006, Marcos Pontes foi transferido para a reserva militar
por motivos de regulamento e por ser mais útil ao campo civil, conforme
explica em sua biografia. Contudo, o astronauta reclama que parte da
imprensa brasileira disse que ele teria se aposentando logo depois da
missão para ganhar dinheiro com palestras.
"A repercussão negativa das calúnias foi tão grande que até hoje existem alguns idiotas que acreditam e repetem essa bobagem! Do meu ponto de vista, a repercussão daquelas calúnias teve lados bons e ruins."
Sem apoio dos órgãos públicos, Pontes afirma que contou mais com o
auxílio do setor privado e de órgãos internacionais. Em 2010, criou a
Fundação Astronauta Marcos Pontes para focar na promoção do setor
espacial, da educação, ciência, tecnologia e sustentabilidade.
O
astronauta criou uma agência de turismo espacial e tem o executivo
paulista Bernardo Hartogs, de 53 anos, como cliente. Ele será o primeiro
turista espacial do Brasil a participar do projeto internacional Virgin
Galatic. Contudo, Pontes não considera que um possível turista espacial
possa ser chamado de segundo astronauta brasileiro.
"Para ser
astronauta profissional, é necessário fazer o curso na NASA ou em Star
City, com duração de dois anos e ser declarado pela NASA ou Roscosmos
como astronauta ou cosmonauta profissional"
Sobre a formação desses novos profissionais, Pontes se mostra bastante preocupado:
O senhor tem trabalhado bastante com educação e sustentabilidade. Nesse
sentido, como veem os jovens brasileiros em relação ao interesse pela
astronomia?
Pontes: A astronomia é uma ótima ferramenta para
atrair jovens para as carreiras de ciência e tecnologia, tão necessárias
ao desenvolvimento do país. Uso isso e outras na minha fundação.
Contudo, obviamente nosso alcance é pequeno perante as necessidades
(números) do país.
Faltam profissionais mais dedicados nessa área?
Pontes: O que me deixa triste e preocupado é ver praticamente a ausente
participação do governo em programas desse tipo (STEM - Science,
Technology, Engineering and Math) para nossos jovens em grande escala.
Se compararmos com outros países como o próprio Estados Unidos, os
brasileiros de hoje seriam menos adaptáveis a uma exploração do espaço
ou de Marte?
Pontes: Não. Temos jovens brilhantes no Brasil. Espero poder ajudá-los a realizar essas missões.
Diplomacia no Espaço
A Estação Internacional Espacial possui os Estados Unidos e a Rússia,
antigos inimigos de Guerra Fria, como parceiros majoritários. Montado
por módulos desses e de outros países parceiros, a ISS não pode ter fins
militares. Para Marcos Pontes, que treinou para viajar com os
norte-americanos, e teve que se adaptar a uma viagem com os russos, o
espaço se coloca como oportunidade para um novo arranjo político e
social.
A ISS une duas grandes potências mundiais (EUA e
Rússia) que vivem em grande tensão. Essa tensão é sentida também no
espaço? Ou a política ganha novos sentidos no espaço?
Pontes:
Uma das belezas do programa da ISS é poder mostrar na prática que é
possível convivermos em paz, independentemente de partidos políticos,
religião, raça etc. Todas essas divisões são criadas por pessoas ou
organizações que, de uma forma ou de outra, lucram com os resultados
ruins advindos (guerras, desentendimentos etc). O ser humano
intrinsecamente foi criado para conviver bem socialmente. Coloque
crianças de todos os países diferentes para brincar juntas e verás que,
em poucos minutos, não há barreiras de cultura, língua etc. As tensões
políticas são criadas sempre com o interesse de alguém. Se esses pessoas
realmente dependessem (ou tivessem a noção que realmente dependem) da
vida umas das outras, isso não seria assim.
Cerca
de 80 milhões de quilômetros separam a órbita terrestre da marciana.
Mesmo assim, a Europa e a América do Norte realizam uma nova corrida
espacial de colonização do planeta vermelho. A ideia é levar uma
tripulação de novos colonizadores com passagem somente de ida. O projeto
audacioso ganhou impulso com a descoberta da existência de água líquida
salgada e corrente em Marte.
Mas quando falamos em
sustentabilidade, será que não era melhor se focar na Terra em vez de
outros planetas? Sobre esses pontos, o primeiro astronauta brasileiro
considera que os dois projetos estão interligados.
A ida a
Marte é o projeto principal da Nasa no momento. O senhor acredita que é
esse o foco correto? Ou deveríamos olhar mais para como garantir uma
maior sobrevida da Terra no Universo?
Pontes: As duas coisas
são diretamente interligadas. Quando desenvolvermos sistemas para chegar
e sobreviver em Marte, também teremos desenvolvido soluções para
problemas essenciais da Terra: alimentação, água, energia, saúde etc.
Em Marte, o senhor daria alguma dica de como as pessoas precisariam se
relacionar politicamente para serem capazes de, literalmente,
sobreviverem ao novo?
Pontes: Que o dinheiro seja proibido.
Que o amor e a compaixão sejam os critérios. Que o conhecimento seja
compartilhado com sabedoria. Que a igualdade seja parceira da
meritocracia.
http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2016/03/30/astronauta-marcos-pontes-avalia-ida-ao-espaco-10-anos-depois-da-viagem.htm
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